A pandemia e a aceleração do processo de teletrabalho

O debate sobre o teletrabalho não vem de hoje, mas com a inesperada pandemia do coronavírus milhões de pessoas no mundo foram obrigadas a fazer isolamento social e a trabalhar de casa. Alguns já dizem que finalmente entramos no século XXI e esse passo dado não teria mais volta. Trata-se de uma tendência em escala global devido aos avanços tecnológicos em meio a uma sociedade cada vez mais informatizada, segundo muitos especialistas e pensadores.

Há alguns séculos os cidadãos viviam e trabalhavam perto de casa em estabelecimentos artesanais, e depois veio a industrialização com as fábricas distantes das suas moradias. No mundo pós-industrial, chamado por alguns pensadores de pós-moderno ou sociedade da informação, as condições tecnológicas estão transformando a linha de montagem global. A necessidade de todos presentes no mesmo local e na mesma hora tem ficado cada vez mais sem sentido para muitas categorias.

Em maio de 2020 cerca de 8,7 milhões de trabalhadores estavam em home office em todo país, segundo pesquisa do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O estudo “Potencial de Teletrabalho na Pandemia: Um Retrato no Brasil e no mundo”, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no mês passado, aponta que o nosso país ocupa a 47ª posição com um percentual de 25,7% de teletrabalho. Este regime pode ser adotado em 22,7% dos empregos nacionais, alcançando mais de 20 milhões de pessoas. Isso colocaria o país na 45ª posição mundial e no 2º lugar no ranking da América Latina, entre os 86 países avaliados. Luxemburgo é o país com a maior adoção do teletrabalho (53,4% dos empregos) e Moçambique (5,24%) o último.

A pesquisa realizada por Felipe Martins e Geraldo Góes, do Ipea, e José Antônio Sena, do IBGE, segue a metodologia da Universidade de Chicago e para a amostragem nacional utilizou a Classificação de Ocupações para Pesquisas Domiciliares (COD) – usada na PNAD Contínua do IBGE. Os dados indicam significativas variações entre diferentes países, estados, regiões e tipos de atividades ocupacionais: o Rio de Janeiro fica em terceiro lugar, logo após o Distrito Federal e São Paulo, com mais de 2 milhões de trabalhadores (26,7%). O estudo revela ainda que das 434 categorias analisadas, um quarto delas poderia ser realizada remotamente, sendo os profissionais de ciências e intelectuais, diretores e dirigentes e técnicos e profissionais de nível médio os principais.

O estudo Tendências de Marketing e Tecnologia 2020: Humanidade Redefinida e os Novos Negócios, do Infobase e Institute For Technology, Entrepreneurship and Culture, prevê crescimento de 30% no modelo home office no Brasil após a quarentena. Já a pesquisa Covid19 – Home Office – Trabalho Remoto, realizada pela escola de negócios Fundação Dom Cabral, mostra que mais de 54% dos 669 colaboradores têm a intenção de propor ao gestor a possibilidade de continuar trabalhando em casa.

Vantagens e desvantagens do teletrabalho

O sociólogo italiano Domenico De Masi é um entusiasta do progresso tecnológico e defende há anos a redução da jornada de trabalho e o ócio criativo¹ com mais momentos livres para dar qualidade de vida às pessoas. No seu último livro publicado no Brasil, Uma simples revolução, há um capítulo direcionado ao teletrabalho, no qual ele aponta prós e contras dessa metodologia. Segundo ele, com as novas ferramentas de comunicação via internet e a natureza de muitos serviços, torna-se cada vez mais clara a inutilidade de centralizar o trabalho em um único lugar.

“Deslocamentos urbanos que corroem o tempo livre, o equilíbrio econômico e o ecológico, além do familiar e psíquico. (…) é necessária uma gestão autônoma, flexível, personalizada e descentralizada das próprias atribuições. O deslocamento obrigatório e cotidiano de milhões de pessoas entre casa e trabalho já não corresponde a uma exigência da produção nem a uma necessidade de cada um e de suas famílias, ao mesmo tempo em que causa danos à empresa, à economia, ao meio ambiente e à sociedade”, diz o pensador.

Mas o intelectual também tem suas ponderações, apesar de dar mais ênfase aos benefícios. Para De Masi, no processo de transição levará algum tempo a se experimentar, metabolizar e apreciar esse modelo para remover suas inconveniências: controle do processo, resistência dos chefes, fragmentação da identidade empresarial e capacitação dos trabalhadores, que precisam reciclar seus costumes pessoais e familiares e, principalmente, evitar uma jornada excessiva de trabalho, sobretudo as mulheres. É necessária uma mudança cultural com uma nova concepção sobre as relações de trabalho.

“Todos reclamam do congestionamento que eles mesmo criam, do estresse que eles mesmos alimentam e intensificam, maldizem os trabalhos que eles mesmos prolongam. Ocupam em alimentar esse inferno e quando aparece uma forma de melhorar ninguém se empenha (…) é uma oportunidade de libertação oferecida pelo progresso tecnológico”, defende o sociólogo.

Algumas características brasileiras

Diversas empresas e alguns órgãos públicos anunciaram que não irão retornar as atividades presenciais para milhares de trabalhadores. Com o regime de quarentena exigido por questões de saúde pública, o investimento na modernização e digitalização dos procedimentos avançou como nunca antes. O Banco do Brasil, por exemplo, anunciou a devolução de edifícios sedes em cinco grandes capitais. BNDES, Petrobras e o STF prorrogaram até o início do ano que vem o regime de home-office, e no setor privado muitos nem voltarão. 

Em muitos casos, o processo de automação com as tecnologias cada vez mais sofisticadas tem aumentado o nível de desemprego com a substituição do trabalho humano pelas máquinas. No setor bancário, por exemplo, apesar dos lucros históricos nos últimos anos, há uma mobilização nacional para conter o alto índice de demissões por causa do uso de tecnologias como o mobile banking: entre 2013 e 2019 houve uma redução de 70 mil postos de trabalho e o fechamento de 3400 agências, segundo o economista Gustavo Cavarzan, do Dieese. O excesso da jornada no home office frente ao medo de perder o emprego tem sido recorrente neste cenário. 

O teletrabalho é caracterizado pela realização fora das dependências do empregador, através de dispositivos tecnológicos de informática e de comunicação, segundo o advogado em direito público e Secretário-Geral da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, Ítalo Pires Aguiar. Foi popularizado após a reforma trabalhista de 2017, que insere seus parâmetros na legislação trabalhista, e tem como pressuposto a concordância tanto do empregador quanto do empregado. No entanto, permanece a obrigação do empregador em fornecer todos os meios necessários para realização das atividades, inclusive os que garantem a segurança e o bem-estar do empregado, complementou.

“Por conta da pandemia, o art. 4º da Medida Provisória 927 flexibilizou a concordância do empregado, bastando apenas a manifestação do empregador para sua implementação. No entanto, a MP 927 não foi debatida a tempo pelo congresso e perdeu validade recentemente. Por isso, a concordância mútua voltou a ser pressuposto do teletrabalho. Seja pela comodidade ou, principalmente, em razão das regras de distanciamento social ainda necessárias diante da pandemia em curso, o teletrabalho tem alcançado diferentes campos profissionais, inclusive dentro do sistema de justiça”, afirmou o advogado.

Algumas medidas são necessárias para garantir uma melhor qualidade no trabalho domiciliar, explica Jon Messenger, especialista em organização do tempo de trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Apoio de gerenciamento, ferramentas e treinamento apropriados, expectativas claras, ser capaz de controlar o seu tempo, estratégias para trabalhar melhor e confiança são alguns dos elementos recomendados para uma boa dinâmica de trabalho remoto.

Desde 2017, por meio da Resolução GPGJ nº 2.123, foi instituído um programa piloto com as diretrizes do teletrabalho no MPRJ. Atualmente o regime atende aproximadamente 210 servidores, o que corresponde a cerca de 6% dos quase 3.470 mil da Instituição, de acordo com dados do Portal Transparência. Com a pandemia a maioria dos servidores foi obrigada a trabalhar de casa em regime emergencial, apesar das dificuldades por falta de estrutura adequada. Mesmo com esse cenário, conforme veiculado pelo próprio MPRJ, o índice de produtividade cresceu durante a quarentena, chegando a 479.196 atividades até o dia 20 de maio. O Plano de Retomada e a Resolução GPGJ/CGMP nº 31/2020 foram questionadas pela categoria, que reivindica a consolidação do teletrabalho, de acordo com a necessária e prometida modernização da Instituição.

(1) – Ócio Criativo é um conceito desenvolvido pelo sociólogo Domenico De Masi que aborda uma nova perspectiva na relação tempo/trabalho. Segundo ele, na sociedade moderna devido ao progresso tecnológico temos mais possibilidades de tempo livre, que podem ser utilizados para estudos e a criatividade e, consequentemente, o trabalho. É saber conciliar o trabalho com os estudos o lazer de forma equilibrada.