Assemperj | Sindsemp-RJ promoveu debate na UFRJ sobre assédios e violências aos trabalhadores do sistema de justiça

A Assemperj | Sindsemp-RJ participou ontem (13/11) da organização e debate do “Seminário Assédios e Violências contra trabalhadores do sistema de justiça”, realizado no auditório do NEPP-DH/UFRJ, no Campus da Praia Vermelha. O evento contou com a parceria da Asdperj e outros órgãos da UFRJ e visou ampliar o debate sobre o enfrentamento ao assédio no serviço público e dar visibilidade às iniciativas e possíveis soluções promovidas pelas entidades de trabalhadores.  

Na mesa de abertura, a diretora do NEPP-DH/UFRJ, Maria Celeste Simões, observou que esse evento é uma primeira reflexão a se desdobrar em outras frentes sobre um assunto que é constante para os servidores públicos. Ela também ressaltou os imbróglios no sistema de justiça, que é marcado por um locus de extremo elitismo e conservadorismo. É preciso discutir não só os adoecimentos através do assédio, mas nos direitos fundamentais que devem pautar as políticas públicas que envolvem também os servidores públicos. 

O primeiro painel teve como um dos temas a apresentação da pesquisa que o CNMP encomendou à UFRGS (lei aqui) traçando um panorama da saúde mental dos integrantes dos MPs com resultados preocupantes de riscos de adoecimento.  O resultado da pesquisa  desencadeou a  possibilidade de pressão das entidades de classe por uma Política Nacional de Atenção à Saúde Mental dos Integrantes do Ministério Público (Resolução CNMP nº 265/2023), já foi lançada e agora precisa ser implementada nos estados. As entidades representativas de caráter nacional (ANSEMP e FEANMP) seguem participando dos debates pela implementação da política.

De acordo com Juliana Vargas, vice-presidente da Assemperj | Sindsemp-RJ, é preciso estabelecer diretrizes, combater todo tipo de assédio, criar uma estrutura administrativa multidisciplinar e outros mecanismos contra as violências no ambiente de trabalho. Os desafios são muito grandes, pois discursos apontam para uma perspectiva individualizante que muitas vezes coloca a responsabilidade nas vítimas, acrescentou. A cultura organizacional e hierarquizada contribui para esse cenário, daí a necessidade de desenvolver mecanismos para um ambiente de trabalho saudável.

“Temos recebido muitas demandas e percebemos que o servidor se auto percebe numa situação de  violência. Ele quer ser ouvido, acolhido e afastado para se tratar e retornar à sua capacidade laborativa plena. O assédio além de ser violação do direito humano e do trabalhador, prejudica a prestação do serviço público. Precisamos ampliar o olhar nas instituições de justiça para além de um servidor adoecido, mas sim toda uma estrutura organizacional que precisa ser adaptada aos novos anseios da sociedade que precisa de um serviço público de qualidade que só pode ser prestado com trabalhadores saudáveis”, defendeu Vargas.

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro criou uma Comissão de Preservação da Qualidade do Relacionamento Interpessoal no Trabalho, Prevenção e Tratamento do Assédio, da Discriminação e Outras Formas de Violência – Codav, que é uma política institucional voltada exclusivamente às trabalhadoras (es) do órgão. Segundo Thamara Deola Ferreira, vice presidente da Asdperj, a comissão surgiu após a  Semana do Servidor de 2017 tendo a sua diretoria sugerido, à época, que os temas de assédio e burnout fossem tratados num cenário de recuperação fiscal que inviabiliza qualquer reajuste financeiro. No evento, a Administração Superior se comprometeu a criar um grupo de trabalho que culminou futuramente com a criação da Codav e do seu regimento interno na Resolução DPGERJ N° 1064 de 30 de setembro de 2020.

“Com a precarização das relações de trabalho, é muito difícil resolver algumas situações, pois refletem muitas vezes na falta de uma política pública, por exemplo, de acesso à saúde mental ou precarização da seguridade social, já que nem todos os prestadores de serviço são servidores e têm auxílio saúde. É insuficiente, também, a equipe interdisciplinar voltada para esse atendimento. Por outro lado, os servidores acumulam funções, não havendo clara definição das suas tarefas e poucos servidores em função de confiança. Houve, ainda, uma mudança da forma de trabalho após a pandemia, aumentando o trabalho da equipe que hoje atende remotamente e presencialmente, além da estrutura extremamente hierarquizada nos trazendo muitos desafios”, destacou Thamara.

A advogada que presta assessoria jurídica à Assemperj | Sindsemp-RJ, Isabela Blanco, do Escritório Cezar Britto Advogados, apresentou a quantidade de relatos de assédio por parte dos associados neste um ano e meio de parceria. Segundo ela, os atendimentos são realizados semanalmente, grande parte deles ligados a questões de assédio moral e sexual, configurando uma cultura de assédio no MPRJ. Muitas metas abusivas e sobrecarga funcional, que nem sempre são facilmente identificáveis, caracterizam essa estrutura e ambiente de trabalho na qual por qualquer coisa, com critérios subjetivos, o servidor pode sofrer uma sindicância ou PAD e por isso vai adoecendo silenciosamente, acrescentou a advogada.

“São vários os números sobre assédio que chamam atenção e mostram a necessidade de uma política nacional de prevenção. Muita gente não sabe que está sofrendo assédio, o servidor precisa estar minimamente instruído e é necessário fortalecer os espaços de acolhimento. Esse ambiente centralizador e hierárquico, forma de organização e métodos do MPRJ, gera um assédio institucional tornando nosso desafio de combate e prevenção muito maior. Pressão, humilhação e constrangimento prevalecem em nome de metas, prazos e produtividade. É preciso ter uma assessoria adequada e a garantia do acesso à justiça”, destacou Blanco.

A precarização e medicalização do trabalho

A partir da vivência concreta dos trabalhadores no seu cotidiano, de acordo com Erimaldo Matias Nicácio, psicólogo, doutor em saúde coletiva pela IMS/UERJ, professor da Escola de Serviço Social da UFRJ, é possível fazer uma análise mais profunda sobre esses problemas. Os estudos de Christophe Dejours em psicodinâmica do trabalho mostram os desafios nas condições de trabalho e na organização e dinâmica institucional do mesmo, que resultam na necessidade de um atendimento multidisciplinar para lidar com o sofrimento e as enfermidades mentais dos funcionários. Muitas vezes essa organização e estrutura funcionam de forma a neutralizar os problemas laborais e individualizando e culpabilizando o trabalhador, e o adoecimento muitas vezes não é associado às condições de trabalho, pois as manifestações do sofrimento são silenciadas  pela organização  do trabalho. 

Neste contexto, segundo o pesquisador, há um processo crescente de medicalização e a proliferação de novas classificações de transtornos mentais. Ao mesmo tempo em que a indústria farmacêutica aumenta exponencialmente a sua produção de medicamentos, os diagnósticos de ansiedade, depressão, transtorno do sono, dentre outros, aumentaram. “A medicalização tem produzido uma toxicomania generalizada. Tudo é passível de ser medicalizado. Os lucros dessas indústrias chegam ao triplo do orçamento da saúde no Brasil. Devemos combater as práticas de assédio no ambiente de trabalho, mas também entendendo não como atos individuais e sim uma lógica institucional que possibilita esses comportamentos. A exploração não manifestada pelo assédio explícito, garantida na linguagem técnica e de gestão, gera incerteza, insegurança, ansiedade e a pressão permanente”, concluiu.

Há alguns anos trabalhando em busca de dar visibilidade a essas formas de adoecimento, Karla Fernanda Valle, doutora em serviço social pela ESS/UERJ, relatou a sua experiência no setor de saúde do TRT-TJ. Ela apresentou um panorama do cenário de adoecimento generalizado dos servidores do judiciário diante de uma cultura do desempenho, decorrente da  gestão gerencialista que impregna as instituições públicas.  Nesse contexto é possível identificar que muitos servidores sofrem com a fadiga, perda de humor, stress, dentre outros sofrimentos, e em geral são medicalizados visando a manutenção da produtividade. 

Ela ressaltou a necessidade de soluções coletivas por meio das organizações, mas também no atendimento diário individual às pessoas afetadas pela violência do trabalho. 

“Isso vai modulando a nossa sociabilidade diante do utilitarismo, metade dos servidores estão adoecidos ou prestes a adoecer e ainda assim estão com as metas de produtividade atingidas. Impomos uma ditadura do tempo real em que tudo é urgente e as prioridades se impõem. A percepção de trabalho cumprido precisa ser discutida, porque os processos não param de chegar, é uma série de violências dissimuladas. Precisamos falar sobre o direito à desconexão do trabalho”, alertou a doutora.

Para ela, é preciso mudar a cultura institucional e fazer uma luta de responsabilização do assédio. No TRT tem ocorrido avanços, no sentido de inibir abusos de poder, garantir o respeito aos laudos médicos, combater discriminações e tantos elementos que caracterizam o assédio.  As soluções passam pelo acolhimento do alvo, a sistematização das provas, o suporte organizacional até a denúncia. É necessária uma escuta qualificada e multiprofissional, de forma sigilosa, para fortalecer o protagonismo do servidor assediado e garantir o seu exercício laboral sem influências prejudiciais. 

O evento contou com a participação do público presente que efetuou questionamentos aos expositores e proporcionou um debate enriquecedor, entretanto, diante da complexidade do tema, ainda há muitos aspectos a serem abordados e aprofundados o que demandará a realização de novos eventos com a participação de outras entidades que possam contribuir com o debate.