O mito do excesso de servidores públicos no Brasil

Na discussão sobre a Reforma Administrativa, que está parada no Congresso Nacional, muitos parlamentares defendem que há um inchaço na máquina pública brasileira. Estudos de especialistas sobre o tema indicam, no entanto, que o Brasil possui muito menos servidores públicos em relação ao número total de trabalhadores em comparação com diversos países no mundo. Matéria publicada nesta semana pela Folha de São Paulo demonstra que o excesso de trabalhadores no serviço público no país é um mito. 

De acordo com os estudos da plataforma República em Dados da República.org, um instituto dedicado a melhorar a gestão de pessoas no serviço público, a Dinamarca se encontra no topo do ranking chegando a 30,22% na relação de funcionários públicos com o total de trabalhadores da nação. O Brasil vem atrás de diversos países da Europa e das Américas, inclusive de vizinhos que realizaram reformas liberais, com uma média de 12,5%. A organização também revela que apenas 0,06% dos servidores públicos ganham os chamados supersalários e cerca de metade desses profissionais recebem remuneração de até R$3.391,00.

“Ao contrário do que muita gente pensa, esse levantamento mostra que o Brasil não tem servidores públicos demais. O país tem um déficit de preenchimento de vagas, sobretudo qualificadas, na administração pública. Essa ‘virada de chave’, pode abrir espaço para uma discussão sobre a efetividade dos serviços, dos profissionais e das políticas públicas”, ressalta Diogo Lima, cientista social e gerente de projetos da República.org. 

No contexto do Estado do do Rio de Janeiro, ainda segundo o Instituto, dos 774.211 servidores públicos, 156.277 (20,2%) atuam na esfera estadual, de acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais. Em relação a todos os trabalhadores formais do Estado, o setor público corresponde a 20,3% dos vínculos e o nível estadual fluminense corresponde a 4,1%  de todos os vínculos formais do Estado. Se comparado com outras unidades da federação, o Rio é o oitavo com menor concentração de servidores públicos em relação a todos os trabalhadores do mercado formal e o terceiro em relação a todo o quadro de trabalhadores do setor público. 

O Atlas do Estado Brasileiro, plataforma do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que reúne dados sobre os servidores públicos, aponta que dos 91 milhões de trabalhadores brasileiros, 11,3 milhões estão atuando de alguma forma no setor público, o que corresponde a 12,45% do total. A quantidade é menor que a dos Estados Unidos, que é uma referência na valorização da iniciativa privada e tem 13,55% dos trabalhadores no setor público. Na média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), os funcionários públicos são 23,48% do total de trabalhadores. 

Especialistas do meio acadêmico defendem a necessidade de revisar o concurso público, reformular carreiras existentes, adaptar o efetivo às mudanças no mercado de trabalho e aprimorar a avaliação de desempenho, mas não a redução do contingente. Pelo contrário, áreas como a da saúde, por meio da qual graças ao SUS foi possível combater a pandemia da Covid-19, meio ambiente e educação, assim como a Receita Federal e agências reguladoras, dentre outras, precisam de estímulo governamental pois são fundamentais à economia nacional.  

Segundo estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o governo do estado do Rio de Janeiro tinha, em dezembro de 2021, 181,9 mil vínculos de servidores na ativa e outros 249,3 mil de aposentados e pensionistas. Houve uma redução de 21% do número de servidores ativos nos anos anteriores, assim como uma diminuição na remuneração média, configurando uma queda considerável na folha de pagamentos. O Rio de Janeiro em termos de despesas com o setor, comparativamente a outros estados, se encontrava em penúltimo lugar no ranking. A consequência disso para a população fluminense é uma forte redução da prestação de serviços do estado à população. 

Segundo Carolina Gagliano, socióloga e técnica do Dieese, no Brasil há uma divisão de tarefas entre União, Estados e Municípios, na qual cabe aos Estados a execução de importantes políticas relacionadas ao provimento de saúde, educação e segurança pública. Na sua opinião, são áreas que para funcionar com qualidade demandam uma boa quantidade de servidores devidamente qualificados e remunerados para a prestação de serviços públicos de qualidade que façam diferença à sociedade. 

“O que temos verificado, no entanto, é uma redução no contingente de servidores estaduais acompanhada de um processo de congelamento de salários que durou quase oito anos (de 2014 a 2022), além do aumento do desconto previdenciário (de 11% para 14%) e um reajuste posterior que não repôs plenamente o poder de compra destes trabalhadores. Isso tudo torna o serviço público estadual menos atrativo para novos trabalhadores, além de piorar as condições de trabalho para aqueles que estão na ativa”, afirmou Gagliano.

(*) Com informações da Folha de São Paulo.