Pesquisa revela que assédio no serviço público não é punido : vamos mudar essa realidade?

Pesquisa sobre o assédio no ambiente de trabalho dos servidores públicos no Brasil (acesse aqui) revela dados inéditos e alarmantes sobre o tema. Cerca de 12,3% das pessoas denunciadas de assédio moral no Brasil receberam punição, com demissão de 1,5%, e no no caso de assédio sexual 21,3% sofreram alguma penalidade e 9,4% foram demitidas. A morosidade e impunidade são os elementos mais evidentes desta ampla pesquisa nacional.

Os números foram consolidados entre 2022 e outubro de 2023 pela pesquisa Servidoras e Servidores Públicos contra Assédio e Violência no Trabalho: Limites da Estabilidade do Mecanismo de Proteção, encomendada pela ONG República.org. O resultado foi apresentado no dia 24 de novembro na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), e trata-se do estudo mais amplo e aprofundado do gênero feito no país.

De acordo com Vanessa Campagnac, gerente de dados e comunicação da República.org, o assédio sofrido pelos profissionais públicos brasileiros é muito importante e tem grandes impactos individuais, mas também pode resultar em um ambiente de trabalho menos efetivo, o que pode impactar a prestação de serviços à população. Para reverter esse cenário, segundo ela, é necessário dimensionar o problema, sistematizar dados e informações, tanto quantitativas como qualitativas, e entender o panorama geral do fenômeno. É fundamental entender que é uma questão urgente a ser enfrentada com seriedade, acrescentou.

“Quanto à morosidade no tratamento do tema, é necessário compreender que qualquer processo deste tipo leva um tempo para sua finalização, justamente por passar por muitas instâncias, mas também devemos ter em mente que os profissionais públicos precisam de respostas quanto à resolução de sua denúncia. Por isso, temos sempre que prezar por processos eficientes não somente na áreas finalísticas das políticas públicas, mas também aqueles que estão relacionados à proteção dos servidores”, afirmou Campagnac.

Nessa pesquisa é possível identificar lacunas nos órgãos públicos para apurar as denúncias e punir os responsáveis. Em geral o relato passa pela ouvidoria, é chancelado ou não pela corregedoria antes de chegar na investigação. Muitas vezes, desde o relato até a instauração de algum procedimento administrativo, segundo pesquisadores, é possível levar em média 500 dias. Além disso, “60% dos processos nas repartições públicas podem se prolongar por 36 meses”, enquanto no setor privado a taxa cai para 4%,  e há processos que chegam a se prolongar por oito anos, segundo estudo citado pela Folha de São Paulo

O estudo também constatou que quase metade dos governos estaduais ainda não tem estruturas para atender o servidor que se sente assediado. Dos 26 estados, 14 deles, além do Distrito Federal, adotaram legislações sobre o assunto na administração pública. O assédio sexual foi regulamentado por 5 unidades federativas, em comparação ao assédio moral, que ocorreu nos 14.

Precisamos de todos para mudar essa realidade

As entidades de servidores como a Assemperj | Sindsemp-RJ correm por fora para mudar essa realidade. Este ano a Diretoria representou profissional de saúde do Núcleo de Saúde e um membro do MPRJ, este último no Conselho Nacional. Ainda correm outras duas apurações que estão em curso e devem ser encaminhadas até o final do ano.

“A prevenção e o acolhimento são importantes, mas não podemos abrir mão do enfrentamento na sua forma mais dura, com representação. Nessa seara, o maior problema observado é a produção de provas, pois na trama em que a vítima se ver envolvida há uma certa paralisação e dificuldade de se perceber numa situação de assédio moral, sexual ou discriminação. Esse é o nosso foco”, afirmou Vinícius Zanata, presidente da Assemperj | Sindsemp-RJ.

Até por isso, este ano a Diretoria aprovou um Assembleia Geral novos recursos para atendimento e encaminhamento dos casos, e a criação de um e-mail que funciona como um diário de assédios, onde os servidores podem encaminhar mensagens com seus relatos e se resguardar para uma futura representação. O e-mail é o registrodeassedio@assemperj.org.br.

Para o próximo ano está no radar a confecção e distribuição de cartilhas específicas para a produção de provas de assédio, onde será informado como gravar conversas ambientais, registrar ligações, preservar documentos, etc.

Entidades nacionais também fortalecem a luta

No âmbito dos MPs a nível nacional, graças a uma campanha da Fenamp e da  Ansemp, foi instituída no dia 06 de julho pelo CNMP (Resolução n º 265/2023) a  Política Nacional de Atenção à Saúde Mental dos Integrantes do Ministério Público. As entidades de classe agora estão lutando pela sua implementação e regulamentação nos estados, a fim de garantir programas e ações, mecanismos de governança, que assegurem a promoção e prevenção em saúde mental dos servidores dos MPs. Nossa diretoria tem acompanhado e estimulado as movimentações desde o início e dialogado com a Administração para obter avanços neste sentido. 

As entidades apresentaram uma proposta de resolução ao CNMP buscando, dentre várias outras garantias, assegurar aos noticiantes e testemunhas medidas de proteção contra possíveis retaliações com sanções ou prejuízos de qualquer espécie. Em caso de violência, assédio moral, sexual ou discriminação, as entidades de classe podem ser responsáveis pela denúncia na proposta apresentada. A proposição também aumenta o escopo de intervenção seguindo os preceitos da convenção 190 da OIT. 

Especialistas avaliam que a falta de conceito detalhada sobre o assédio, a ausência de previsão legal para o seu tratamento e forma de um olhar mais brando sobre o assunto são algumas das explicações para a baixa taxa de punição. Caso o servidor não sinta o seu pleito atendido na instituição, ele pode recorrer a um processo civil ou criminal, mas não pela Justiça do Trabalho, já que seu contrato não é regido pela CLT (Consolidação das Leis de Trabalho)

(*) Com informações da Folha de São Paulo.