República.org: conheça o instituto que defende a valorização dos servidores públicos

Recentemente o instituto  Republica.org ganhou notoriedade devido ao lançamento da ferramenta República em Dados  que concentra dados de diferentes fontes e permite análises sobre temas relacionados ao serviço público. Com dados que contradizem o senso comum, divulgaram informações mostrando que o Brasil tem muito menos servidores públicos do que em países da OCDE e EUA. A referida plataforma reúne compilação de informações dos mais diferentes órgãos de pesquisas e apresenta valores agregados a respeito da quantidade de servidores no país, sua distribuição regional, perfil dos servidores com variáveis de gênero e raça, comparações salariais, dentre outros elementos.  

Há alguns anos o Instituto vem atuando em busca de melhorar a gestão de pessoas no serviço público do Brasil. Com parcerias em diversos setores em todo o país, apoiam muitos projetos e eventos visando a capacitação dos profissionais públicos e para fomentar  uma gestão pública eficiente. Para entender melhor as atividades da organização, conversamos com Diogo Lima, Gerente de Projetos, que nos apresentou algumas reflexões sobre o funcionalismo público brasileiro. Para ele, é fundamental investir no desenvolvimento e valorização dos servidores. A sociedade precisa ter uma percepção mais clara sobre o papel e importância do papel do Estado, que precisa ser aprimorado e mais efetivo, na sua opinião. 

Vocês já têm a organização há algum tempo, mas mês passado lançaram uma nova plataforma com dados sobre o serviço público. Explique melhor qual o objetivo do projeto?

A República.org é uma organização 100% focada em transformar a cultura de gestão de pessoas no Brasil. Qualificamos e valorizamos profissionais públicos (efetivos, comissionados ou temporários) apoiando políticas públicas de gestão de pessoas, afinal estamos servindo a quem serve ao Brasil. Acreditamos que assim teremos um estado mais efetivo nas diversas políticas, seja na segurança, educação, saúde, etc, pois é através delas que ele se faz presente. Se temos uma política de gestão nos diferentes entes federados,  consequentemente as políticas ali serão melhoradas. Um estado mais efetivo vai contribuir mais para o desenvolvimento do país, a redução da desigualdade, a promoção da equidade e assim por diante.   

Vocês têm pesquisas próprias, ou fazem um compilado de várias informações disponíveis nos mecanismos de transparência dos dados públicos? Como é a metodologia do trabalho?

Hoje a República atua em cinco frentes organizadas em objetivos estratégicos: 1) construção e disseminação de conhecimento: construir informações e dados sobre pessoas e serviço público brasileiro e comunicá-los através de mídias sociais, imprensa, etc. , por exemplo, colocando questões importantes na pauta e uma relação direta com a comunicação. O artigo publicado recentemente na Folha de São Paulo está modelando o problema público, por exemplo, comunicando os estudos de dados e descobertas. 2) desenvolvimento de pessoas e instituições: capacidade dentro do governo para melhorar suas políticas, dentro de instituições de ensino ou do terceiro setor, que querem impactar positivamente a gestão de pessoas e governos através de capacitação e promoção de equidade, etc. Apoiamos a formação e pesquisas dentro de instituições parceiras. 3) Apoio a políticas públicas: dialogar com o governo através de um Advocacy. Apoiamos uma série de políticas junto a estados e municípios brasileiros, com partidos de diferentes vertentes ideológicas, para aprimorar essa gestão de pessoas. 4) Valorização: valorizar e reconhecer os profissionais públicos, como o Prêmio Espírito Público, que promovemos em parceria com a organização VAMOS, que é uma junção com o Instituto Humanize e a Fundação Lemann. 5) Promoção de redes e conexões: integrar e conectar as pessoas, trocar informações e se comunicar com o serviço público de diferentes maneiras.  

O República em Dados é um compilado de dados disponíveis, que realizamos a eventual agregação e disponibilizamos análises numa única plataforma com essas informações. Temos algumas referências: Atlas do Estado Brasileiro, Pesquisas do IBGE, dados IPEA e ENAP, dentre outras bases que consideramos confiáveis, nacional e internacionalmente. Nosso recorte é sempre o serviço e os profissionais públicos, dali que veio o comparativo do percentual dos servidores e trabalhadores com países da OCDE e EUA.

Como se dá o financiamento dessa estrutura e equipe?   

Somos uma filantropia fundada pelo Guilherme Coelho, um cineasta ativista social, e temos uma, não corporativa e apartidária. Apoiamos projetos e atuamos em parceria com outras organizações, como na parceria VAMOS, sempre com o recorte de gestão de pessoas no setor público. Temos uma diretoria própria, gerências, coordenações, time de analistas, pessoas que apoiam, então somos uma organização fundada por um filantropo e com um olhar de  melhorar o serviço público. O estado é o caminho para a transformação social e o grande indutor de mudanças nas nações. 

Formamos uma equipe diversa e engajada com pessoas que passaram por governos e pelo terceiro setor, nosso escritório fica no Rio mas vamos muito a Brasília dialogar com órgãos de governo e o legislativo, vamos a muitos Estados que apoiamos. Por exemplo: em conjunto com a VAMOS, dialogamos com o Conselho Nacional de Secretários de Administração e na semana passada participamos de uma palestra em evento promovido pelo Vetor Brasil com dez municípios para formar líderes municipais e seus quadros dirigentes, então temos uma atuação nacional ainda que sediados no Rio.

Quais os dados mais relevantes que vocês têm a destacar nessas últimas pesquisas?

Precisamos discutir as políticas à luz do que é o Estado brasileiro: heterogêneo com um pacto federativo específico, com uma proporção territorial continental, com graves problemas sociais decorrentes do seu histórico, como a escravidão, uma demoracia recente e com um pacto constitucional de redução de desigualdade principalmente por meio da saúde e educação, etc. E nessa análise de comparação percebemos que a concentração de profissionais públicos nesses países é maior, mas não estamos questionando se não deveria funcionar melhor: acreditamos que o Estado pode ser mais efetivo sempre e as pessoas são cruciais para isso. O achado do dado foi de encontro ao senso comum da percepção de que temos servidor demais, e na média dos países que compõem a OCDE, que é um organismo muito respeitado, é muito maior. Isso acabou gerando muita repercussão, porque esses dados que estavam ali são muito relevantes.

Outra questão importante de se avaliar é na linha de heterogeneidade, porque temos uma concentração diferente de profissionais públicos. A maior parte deles encontra-se em municípios, depois vem os estados e o governo federal. Mas quando olhamos para o salário, percebemos uma distorção inversa a essa proporção. Os maiores salários estão no âmbito federal, seguido dos Estados. Ao compararmos os poderes, o executivo tem o pior salário, depois vem o legislativo e o judiciário. Isso reflete também o quanto o serviço público já tem uma descentralização em relação a quantidade de profissionais. 

E outros aspectos como desproporções raciais, por exemplo?

Temos uma política de cotas para pessoas negras em concursos públicos, mas nem todas as carreiras (seja por não abrir concurso ou pela forma de implementação das cotas) não preencheram seus percentuais mínimos previstos em lei. Então ainda temos um Estado que não é representativo da população, no âmbito federal, por exemplo, tem menos negros em carreiras mais bem remuneradas. Isso reflete a implementação da lei de cotas e a forma como o Brasil recruta profissionais públicos, pois hoje o modelo de concurso é meritocrático no sentido de fazer uma prova e se inscrever desde que você preencha os pré-requisitos para entrar com uma nota. Promove um acesso, mas por outro lado ao olhar só para a prova desconsidera outros elementos, como a vocação da pessoa, as competências específicas da função, etc. E esse tipo de prova você tem que estudar bastante e não necessariamente ter uma experiência prévia, então acaba que quem acessa são as pessoas que conseguem parar para estudar anos porque têm condição financeira e excluímos outras que poderiam contribuir muito com o serviço público. 

O concurso pode se modernizar mais levando em consideração não só esses conhecimentos, mas também competências específicas da função, valores democráticos, a vocação ao serviço público, dentre outros elementos. Muita gente acredita no valor do serviço público para entregar um serviço melhor à sociedade, e isso também pode ser  medido nos processos e nas provas. O modelo atual insere uma universalidade no acesso, mas ao olhar a prova e alguns critérios dá para melhorar. O TCU anunciou um Grupo de Trabalho para promover melhorias em seu modelo. Esse movimento pode fazer a diferença alterando essa estrutura. É preciso ter alguma segurança jurídica, muita gente não inova porque está tudo amarrado às normativas, e ter uma conscientização dos órgãos de controle e do legislativo: fazer um maior entendimento e instrumentalização da lei que trata de recrutamento de serviço público. O Brasil já tem muito patrimonialismo e clientelismo, mas não podemos deixar de  olhar para o futuro e muitos países já estão nesta linha há muito tempo. Não precisamos copiar, mas ter o nosso próprio jeito de modernizar nosso modelo de recrutamento e não só para os concursos.                         

Em alguns lugares na área dos MP’s, por exemplo, tem mais cargos comissionados que efetivos. É preciso um olhar específico para isso também na máquina pública?

Isso varia de caso para caso, isso tem muito a ver com o desenho do órgão e de suas carreiras. Quando olhamos para os comissionados, percebemos que não tem uma política de desempenho na gestão geral dos profissionais públicos. Assim como se recruta os efetivos, poderia para os cargos mais técnicos de liderança ter um processo baseado em competência para atrair os profissionais, como é feito em muitos países da OCDE. Não é tirar o elemento político da nomeação, mas também introduzir elementos técnicos para que isso se equilibre. O Chile tem um sistema com a Direção Pública, que atraem, direcionam, fazem uma gestão pública através de editais abertos, e no final tem a indicação porque vira uma lista tríplice mas com um crivo técnico que tem reflexo importante na máquina pública.  

No temporário é mais disforme e carece de uma lei geral para prover segurança jurídica, direitos e estrutura de trabalho. Um dimensionamento também dessa força de trabalho, verificar onde está precisando de mais gente, que perfil precisamos para cada execução, etc. Esse planejamento e avaliação constante das necessidades do Estado são difusos, tem horas que acontecem e outras não, então acreditamos que com uma organização mais focada em pessoas tomaremos decisões melhores. Seja para prover segurança jurídica, garantindo direitos, ou selecionando comissionados colocando critérios técnicos em cargos com competências específicas. E uma gestão do desempenho e desenvolvimento para todos, como tem em outros setores podendo entregar mais no seu trabalho, se sentir mais feliz, a sua liderança saber fazer esse gerenciamento da equipe. São critérios que queremos botar na pauta porque entendemos a diferença que fazem.

A comunicação passou por boa parte dos pontos que você abordou, é possível mudar o olhar e percepção da sociedade sobre o serviço público com base na apresentação de dados e circulação dessas informações?       

Dados apontam que muitas vezes a população desacredita no serviço público, mas reconhece quem faz na ponta e outras vezes nem entendem que o funcionário público está por trás daquela política. Existe uma percepção de que o Estado está em coisas muito específicas, quando na verdade é o contrário. O serviço público está em tudo, na estrada, na regulação dos juros, na educação, saúde e segurança, na tributação, no controle, na decisão jurídica, construção do nosso direito, etc. Acreditamos que as pessoas entendendo mais sobre o Estado e o serviço público, elas vão não só cobrar um Estado mais efetivo, mas também reconhecer quem está ali se dedicando para fazer a diferença. Tem muita gente incrível que às vezes não conhecemos ou não humanizamos, queremos mostrar a cara do Estado: o professor, enfermeiro, auditor, diplomata, gestor de carreiras, o técnico administrativo, etc. Muitas delas entraram no serviço público porque querem mudar o Brasil, estão há anos lutando por isso. Então comunicando o serviço público podemos mudar a percepção das pessoas sobre ele para travar o debate necessário: como tornar o Estado mais efetivo. Não queremos discutir mais ou menos Estado, e sim o que funciona. Valorizar a vocação dessas pessoas e do serviço público, que é totalmente diferente do privado. Ninguém vai para lá querendo enriquecer ou comprar um iate, você quer mudar a vida das pessoas, ter uma estrutura de trabalho digna e contribuir para a melhoria da sociedade. 

Na questão do salário, vocês apontaram também que os supersalários são a minoria no setor público.

Uma parcela que não chega a 1% do funcionalismo ganha muito acima do teto previsto, que é uma distorção e tem um impacto nos gastos públicos e no PIB que merece atenção. Mas isso não é a realidade da maioria absoluta dos profissionais do serviço público, a média inclusive municipal  é muito baixa se comparada às outras. A maioria ganha salários modestos, isso é a nata da nata que tem um percentual muito pequeno. Uma boa gestão poderia atacar esse problema, regulamentando e prevendo um teto.