O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha comemorado hoje (25/07) representa a luta contra o racismo e o sexismo enfrentados por mulheres que sofrem com discriminações racial, social e de gênero.
No Brasil, foi instituído por meio da Lei nº 12.987, o dia 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, homenageando uma das principais mulheres, símbolo de resistência e importantíssima liderança na luta contra a escravização.
A servidora do MPRJ, Valéria Lima de Almeida, concedeu entrevista à Assemperj | Sindsemp-RJ sobre sua história e a importância de garantir espaços no mundo do trabalho e na sociedade para a mulher negra.
Confira a entrevista completa:
Me conta um pouquinho de como foi entrar no MPRJ.
Sou servidora do MPRJ há 30 anos, tendo sido aprovada no concurso de 1994 para o cargo de nível médio, antigo Auxiliar Médio II Administrativo, hoje em dia Técnico do Ministério Público, e empossada em maio do mesmo ano, aos 19 anos de idade. Foi já na qualidade de servidora dessa instituição que obtive meu título de graduação em Letras, concluí meu curso de Mestrado em Linguística Aplicada e agora curso o Doutorado na mesma área. Sempre trabalhei em órgãos de execução, tanto na primeira quanto na segunda instância, junto aos membros do Ministério Público. Ao longo desses 30 anos, vi o MPRJ crescer em estrutura e atribuições e nós, servidores, somos parte relevante desse processo, tanto atuando nos órgãos de execução, atendendo ao público junto aos Promotores e Procuradores de Justiça, sendo uma parte visível do universo do trabalho do Parquet, quanto na parte administrativa, movimentando a estrutura que possibilita que todo esse trabalho aconteça.
Como é ser uma mulher negra em uma das instituições mais importantes do estado?
É importante destacar que embora o serviço público tenha critérios mais objetivos para o provimento dos cargos do que a iniciativa privada, o que, em princípio, tornaria menores os obstáculos da população negra para acessar esses empregos, ainda somos muito poucas pessoas. Nesse particular, é importante afirmar que, de modo geral, no serviço público, pessoas negras não são minoria em profissões subalternizadas ou de menor remuneração, como saúde, educação, limpeza urbana e outras, porém, quando falamos de instituições associadas a maior status e remuneração, ainda estamos presentes em uma proporção muito menor.
Também no âmbito do Ministério Público, quanto maiores os salários, menor será a presença de pessoas negras. O estudo feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público em 2023 mostra que, no quadro funcional do Ministério Público brasileiro, pessoas brancas são maioria em todas as posições, sendo a presença de pessoas negras inversamente proporcional ao status hierárquico das posições. Assim, embora negros sejam 40,3% dos estagiários, são negros apenas 15,8% dos membros. Se considerarmos o gênero, há maioria de homens (60,9%) e pessoas brancas (81,9%) entre os membros do Ministério Público. Entre os membros negros e negras (considerando aqui a somatória entre pessoas pretas e pardas), 10,3% são homens e 5,4% mulheres. Apenas 0,7% das mulheres, o que perfaz o total de 81, são pretas entre os mais de 13 mil membros do Ministério Público brasileiro. Entre servidores, mulheres negras são 14,2%, sendo mulheres pretas apenas 2,4%. Nesse contexto, ser uma mulher negra nesta instituição é ocupar um lugar ainda aquém da participação negra na população brasileira, não obstante os progressos recentes obtidos pelas ações afirmativas.
Quais políticas públicas você acha que ainda precisam avançar para garantir a participação dessas mulheres em espaços de decisão?
Fortalecer e zelar pela correta implementação das ações afirmativas para garantir o aumento da presença negra, sobretudo feminina negra, nesses espaços é fundamental, como já fazem outras instituições mediante a instituição de bancas de heteroidentificação, em interlocução com entidades da sociedade civil, em especial aquelas ligadas aos movimentos sociais negros e/ou de mulheres negras. Outra medida seria o fomento aos cursos preparatórios para carreiras como a de Promotor de Justiça voltados para esse público, a exemplo dos cursos pré-vestibulares dirigidos à população negra, o que, com o decorrer do tempo, estimulará a participação nesses concursos. É importante ressaltar, no entanto, que medidas como essas, embora indubitavelmente úteis e necessárias, mal arranham a superfície da estrutura social sexista e racista que afetam as vidas das mulheres negras. As mulheres negras na sociedade brasileira, além de receberem, em média, os menores salários, ainda têm de realizar o trabalho de cuidado em suas famílias, ou seja, cuidar de crianças, além de parentes idosos e doentes. Esse trabalho é invisibilizado e exaustivo, sendo um freio à ascensão social da mulher negra. Garantir a presença das mulheres negras em espaços de poder é garantir salários dignos, acesso à saúde integral, a equipamentos públicos que supram a demanda do cuidado, a redução das jornadas de trabalho e o fortalecimento das iniciativas de redução à desigualdade racial, de forma geral.
E por que o dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha merece ser celebrado e qual a importância dele para a sociedade, na sua opinião?
O Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha é um dia essencial de reflexão e mobilização a respeito das estruturas sociais que ainda afastam as mulheres negras não apenas dos espaços de decisão, mas do lugar de dignidade pelo qual desde a época da colonização lutamos incessantemente. É um momento de celebrar e lutar pela preservação de nossa memória histórica e de nossa produção intelectual. É hora de lembrar de mulheres como Esperança Garcia, mulher escravizada, reconhecida em 2022 como primeira advogada brasileira; como Dandara dos Palmares, Tereza de Benguela, Maria Conga e outras, construtoras e líderes de quilombos, territórios de liberdade em pleno Brasil escravista; de Antonieta de Barros, primeira deputada negra, de Laudelina de Campos Melo, que lutou pelos direitos das trabalhadoras domésticas, de Maria Firmina dos Reis, nossa primeira romancista, e de tantas outras de ontem e de hoje, que lutam pelo bem viver da população negra e de todo o povo brasileiro, dando corpo à fala de Angela Davis: “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.