Dando sequência ao projeto de Memória Institucional da Associação, que completará 30 anos em 2021, entrevistamos o ex-presidente Paulo Gustavo Hundertmark Barroso Júnior, de 42 anos, que hoje mora em Porto Alegre/RS e é servidor do Tribunal Regional Federal (TRF) do estado. Embora tenha sido rápida por apenas um mandato, sua gestão em 2005/06 passou por diversas mudanças importantes na trajetória da entidade, como a mudança de sede e razão jurídica, reajuste salarial e tantos outros avanços administrativos.
No dia 15 de julho de 1991 nascia a Associação dos Servidores da Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro (Asproju), mas só neste período viria a se tornar a Associação dos Servidores do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Assemperj). O entrevistado conta quais eram os desafios à época, as pautas que foi possível avançar e o que ficou por fazer para as próximas gestões. Fala também sobre a importância de se ter uma entidade de classe e alerta para a necessidade de mobilização para resistir à reforma administrativa proposta pelo governo, que vai trazer prejuízos ao serviço público como um todo.
Como se deu a sua aproximação com a Assemperj à época?
Morava em Fortaleza (CE) nessa época, mas minha mãe era servidora do MPRJ há um bom tempo então já tinha algum vínculo com a Instituição. Resolvi fazer o primeiro concurso que o MPRJ fez para o cargo de Técnico Processual para prover a estrutura dos CRAAI’s e fui parar em Nova Friburgo em 2002. Fiquei ali em torno de três anos, amava o meu trabalho de apoio administrativo na PJ de Tutela Coletiva e fiz amizades importantes que carrego até hoje. Como já tinha tido contato com o movimento secundarista, sempre fui mais envolvido na política e quando entrei estava tendo certa ebulição relacionada à representatividade da categoria. A estrutura funcional do MPRJ estava crescendo muito e a gente tinha a Asproju ainda com uma cultura muito voltada para a capital e a diretoria da época era inteira de servidores mais antigos no quadro. Então já havia um movimento querendo dar uma renovada, existia uma atmosfera mais crítica pedindo um novo projeto. Participava dos fóruns da categoria à distância comentando os assuntos.
Quando fui ao Rio esta questão da eleição veio à tona, e tive contato com algumas pessoas experientes e com prestígio na categoria. Uma delas foi o Rubens da Cruz Nunes que se tornou um importante conselheiro na gestão política pelos relacionamentos que acumulara ao longo de sua vitoriosa trajetória na casa, já tendo, inclusive, passado pela diretoria da Asproju. Foi muito desafiante montar uma chapa, porque era muito novo na instituição. Formamos uma excelente chapa, éramos uma espécie de oposição porque não tínhamos nenhum vínculo com a situação da época. Apesar de reconhecermos o valor de cada gestão que passou pela associação, entendíamos que era o momento de oferecer um novo projeto para o quadro de servidores renovado que passou a existir.
Os desafios foram enormes em todas as áreas. Administrativamente a Associação era uma sala pequena cedida pelo MPRJ com somente uma funcionária e com problemas financeiros. Ao mesmo tempo o contexto macro da categoria era complicado, já que fomos eleitos em meio a uma negociação salarial. Estávamos enquanto categoria na Alerj, então era um momento de muita tensão e sem contato nenhum com a Administração. Lembro que ficamos insatisfeitos com os encaminhamentos que foram costurados por ela, o governo e sua liderança na ALERJ e resolvemos regressar ao prédio do MPRJ em passeata para buscar abrir diálogo com o PGJ, o que só conseguimos no decorrer do tempo. Então o início foi muito agitado e complicado porque tínhamos desafios internos e externos.
Quais foram as primeiras iniciativas da sua gestão?
A questão da reforma e atualização estatutária, mudamos o nome para Assemperj; fizemos a profissionalização da entidade, passamos a ter um jurídico fixo com a contratação de um advogado, uma contabilidade externa, as contas foram sanadas e ampliamos a rede de convênios, que era muito limitada. Com tantas frentes de trabalho precisávamos ter uma comunicação mais presente e fizemos jornais periódicos que passaram a circular nos ambientes de trabalho, revelando a força da entidade representativa. Conseguimos aumentar consideravelmente o quadro de associados à medida que avançávamos com as pautas. Progredimos bastante na interiorização da representatividade quando o novo estatuto passou a prever a eleição de um conselho independente de representantes de cada CRAAI, queria deixar esse legado para a Associação abarcar também os interesses do interior. Visitávamos os centros regionais fora do período eleitoral, havia uma interlocução permanente, inclusive alguns eram bem ativos politicamente e administrativamente. A proposta era se aproximar da categoria e fortalecer a entidade, porque os desafios eram grandes e queríamos construir uma nova imagem da Associação.
Ainda não havia sindicato como agora, então a Associação tinha que fazer todo trabalho de integração social e ainda abarcar a pauta política mas com uma estrutura precária e sem as garantias legais de um sindicato. Aos poucos fomos conquistando o respeito da Administração e avançando nas diversas pautas. Um bom exemplo foi o afastamento do trabalho para o exercício da Presidência da Assemperj. Foram muitas conquistas, conseguimos ampliar nosso espaço, transferindo nossa sede para a Travessa do Ouvidor e assim oferecer mais conforto e adequação a nossa força de trabalho e associados. Na parte social, além da famosa Festa de Final de Ano realizamos outros eventos de cunho social e de formação. E o principal foi conseguir a data-base em lei, juntamente com um importante reajuste salarial com repercussão nos benefícios pecuniários também. Introduzimos ainda a Associação no contexto de Brasil, nos filiamos à Ansemp e começamos a participar dos encontros e ter assento o que foi muito importante. Apesar do ruído e tensão iniciais, percebemos que o nosso trabalho com a ajuda da comunicação trouxe transparência e respeito em favor da categoria junto à Administração. O PGJ era o dr. Marfam [Martins Vieira], que já tinha toda uma história de sucesso junto à Amperj, e sabia da importância do diálogo com a categoria para a unidade e a eficiência das atividades da instituição.
Você se reelegeu e ficou nos dois mandatos previstos no estatuto?
Não, foi apenas um mandato curto de 2005 a 2006. Já estava com a cabeça noutro lugar, prestes a ir para Natal (RN), onde passara em outro concurso para cargo de nível superior, além disso minha esposa estava grávida do nosso primeiro filho. Conseguimos fazer uma transição tranquila, quem me sucedeu foi a Fanny [Freitas Lopes], que vocês já entrevistaram, e fico feliz de ter passado o bastão para ela numa situação melhor. Ela também foi uma grande parceira na nossa gestão. Aliás, deixo uma menção honrosa a toda diretoria da época que trabalhou com dedicação e zelo pelas transformações e conquistas da associação, em espírito de colaboração e sem disputas internas.
Teve alguma pauta que não foi possível avançar naquela época que já estava no radar?
A questão de ter voto na escolha do PGJ já era algo que conversávamos naquela época, inclusive na Ansemp. Como já me desliguei há muitos anos do MP, não sei se existe outro lugar do Brasil que tenha essa questão funcionando. Mas não era uma pauta ainda muito forte, estávamos construindo a estrutura ainda para avançar nestas pautas mais complexas. Um tema que era forte e não executamos é a questão patrimonial da Associação com a aquisição de sede própria. Conseguimos um espaço maior com a mudança para a Travessa do Ouvidor, mas a vontade sempre foi ter um patrimônio próprio. Chegamos a visitar alguns imóveis no centro do Rio, mas não avançamos porque quando pegamos a Associação ela estava com o caixa negativado e com dívidas. A entregamos dois anos depois com dinheiro, avançamos com alguns patrocínios e convênios, como o da Alfa Financeira, que gerava uma receita mensal. Fizemos uma poupança, mas ainda era muito pouco para comprar um imóvel. Deixamos tudo encaminhado para as próximas gestões, a ideia era comprar o imóvel próprio e depois pensar numa sede social campestre.
A relação institucional com o PGJ era boa? Havia uma dinâmica de diálogo?
Foi surpreendentemente boa, porque no início foi tenso com uma desconfiança natural para onde eu conduziria a associação e o movimento. Estava com uma ideia de independência muito forte, mas aos poucos as portas foram se abrindo e nas reuniões tivemos uma ótima interlocução. Toda vez que pedíamos reunião a Administração nos recebia, seja através do próprio Dr. Marfan, seja através do subprocurador geral para assuntos administrativos, o dr. Eduardo Lima Neto, ou do Secretário-Geral, Dr. Eduardo Gussem. Terminamos muito bem o diálogo sempre pautado com respeito e independência.
Qual a importância de uma entidade de classe para uma categoria?
Fundamental. Inclusive tive uma nova experiência bem sucedida com mandato classista. Após sair do MPRJ fui para o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RN), onde fiquei quase cinco anos, fiz um novo concurso e me tornei oficial de justiça da justiça federal, onde estou há nove anos. Me envolvi com as questões políticas da categoria e vencemos a situação que já estava há 20 anos, foi muito parecido com a Assemperj porque as pessoas não me conheciam e os desafios eram enormes. Era uma estrutura totalmente diferente, porque tinha licença sindical e arrecadava mais de meio milhão de reais por mês com grandes responsabilidades, sendo o segundo maior sindicato do Rio Grande do Sul e um dos maiores do Brasil. A diferença é que éramos uma direção colegiada.
As entidades associativas e sindicais são muito importantes para uma categoria, que precisa ter essa representatividade estruturada e fortalecida. Isso está muito presente entre os membros da magistratura e do parquet que possuem em suas entidades importantes veículos em defesa de suas pautas, graças ao elevado grau associativo entre eles. Independente de linha política todos precisam se unir numa entidade classista, a qual encaminhará de forma democrática e republicana os pleitos da categoria. É fundamental formar uma entidade independente, estruturada, com uma comunicação bem feita, para impulsionar seus pleitos. Se você é esquecido, vira moeda de troca, passa a ser mal visto e sua categoria não cresce. Estou bem distante, mas creio que a categoria do MP hoje é muito mais respeitada, ambicionada e qualificada pelas conquistas ao longo do tempo. Isso é fruto de todo um trabalho que vem sendo feito através da Assemperj.
Atualmente está ocorrendo uma campanha nacional dos servidores públicos contra a reforma administrativa, qual a sua visão sobre o assunto?
São tempos bem difíceis que estamos vivendo no contexto macroeconômico nacional, não é de hoje que o serviço público vem sendo atacado e que os servidores são tachados como problema para o crescimento do país ou classe de privilegiados, numa visão distorcida e sem espaço na mídia para o contraponto. Então é uma situação que realmente vai exigir mobilização e resistência por parte dos servidores que defendem um serviço público de qualidade à população. Geralmente somos usados pelo sistema político para manter os holofotes longe de quem realmente suga os recursos de forma abusiva, a própria classe política. O governo mandou um projeto dizendo que não afetará os servidores atuais, mas é provável que haja acordos para dividir o desgaste com o Congresso, que ficaria com o papel de emendar e nos tirar direitos. É preciso estarmos muito atentos, mobilizados e unidos com o conjunto de servidores para resistir aos ataques que virão.
Queria deixar um abraço fraternal a toda categoria de servidores do MPRJ e desejar que essa história de glória da Assemperj continue trazendo excelentes frutos para todos. Meus sinceros votos de sucesso a atual e futuras diretorias da associação.