Muitos associados que exercem atividades culturais por fora das atribuições funcionais do MPRJ já passaram pelo nosso Servidor Em Foco. Alguns deles escritores, outros pintores, muitos atletas, dentre tantos outros temas, mas nenhum atingiu a visibilidade do colega que administra a página especializada em cinema Um Filme Me Disse. São mais de 2 milhões de seguidores no Instagram, tratando de tudo que envolve o cinema brasileiro e internacional. Por meio desta experiência estabeleceu diversas parcerias e participações em festivais e demais atividades do setor, de forma a ter a cultura também como fonte de renda em paralelo ao serviço público.
O servidor Márcio Paulo, de 34 anos, técnico administrativo desde 2019 no MPRJ, trabalha na Consultoria Jurídica da Procuradoria-Geral de Justiça, além de acumular a supervisão da Revista do Ministério Público. Ao longo dos anos passou pelas Promotorias de Cordeiro e Cachoeiras de Macacu, além da Violência Doméstica no Centro do Rio. Na entrevista ao Jornal do Servidor, ele conta como criou o projeto e analisa o cinema brasileiro de hoje e o que pode vir a ser nos próximos anos. Segundo ele, investir e apoiar o cinema brasileiro, para além do entretenimento, é fomentar e movimentar toda uma estrutura econômica para além da cultura.
Qual foi a motivação e como nasceu o projeto Um Filme Me Disse no Instagram?
Muito curiosamente, o surgimento do Um Filme Me Disse aconteceu justamente no período em que estava estudando para o concurso do MPRJ. Eu já vinha me dedicando há cerca de um ano e, buscando lidar melhor com a ansiedade que o estudo para concursos traz, busquei auxílio na terapia. Minha terapeuta puxou minha orelha dizendo que eu só falava de concurso o tempo inteiro (risos) e que minha vida precisava ser mais que isso, sugerindo que eu investisse em projetos pessoais e fizesse algo relacionado à cultura. No dia seguinte, acordei com isso na cabeça, e, por amar filmes e séries desde criança, resolvi criar uma página no Facebook, para compartilhar trechos com os quais me identificava nessas produções. E bem, o resto é história…
Como é empreender tendo o cargo de servidor público em paralelo?
A pergunta que mais me fazem é como eu arranjo tempo pra fazer tudo isso e eu sempre brinco dizendo que nem eu sei responder. Mas a verdade é que essa concomitância incide em muita organização e responsabilidade. Fazer uma página sobre audiovisual demanda atualização constante e dedicação de tempo para produzir conteúdos diários. O que não é diferente no meu trabalho no MPRJ, que me exige atenção e conhecimento jurídico.
Por conta disso, eu busco separar bem as duas funções e me dedicar integralmente a cada uma em momento próprio. E o mais legal é que as habilidades que desenvolvo em um trabalho sempre acabam influenciando positivamente no outro, como foi com a escrita e na maneira de me expressar em público.

Você monetiza a página de forma a ter um complemento de renda, tem parcerias?
Felizmente, a página se tornou minha principal fonte de renda. Tenho sido assistido nos últimos anos por uma importante agência de influenciadores, que me presta apoio em diversos âmbitos, como comercial, jurídico e financeiro, além da orientação de carreira, o que contribuiu muito com meu crescimento pessoal, profissional e de relevância. Atualmente, conto com mais de 4 milhões de seguidores, somadas às redes sociais em que atuo, estando mais da metade deles no Instagram, o que já me ajudou a realizar muitos sonhos. Isso sem falar da satisfação pessoal de poder falar sobre o que eu amo, participar de Festivais e eventos importantes, trabalhar com grandes marcas e conhecer profissionais que admiro.
O fato é que ainda que esse ganho vá se distanciando cada vez mais da renda oriunda do trabalho como servidor, eu encontrei um equilíbrio no exercício das duas funções que não me faz pensar em me afastar do serviço público, principalmente por conta da estabilidade como servidor.
Qual a importância do cinema para a bagagem cultural e consciência política do servidor?
A arte e a cultura são essenciais não apenas para a bagagem cultural e para a consciência política do servidor, mas de qualquer pessoa. Mais que isso, para a formação humana. O cinema tem o poder de nos transportar a outros lugares e a eventos históricos e de nos colocar diante de outras culturas. O cinema nos auxilia no desenvolvimento da empatia e do intelecto quando nos permite refletir sobre a diversidade do mundo e sobre as questões afetas à própria existência. Não é coincidência, portanto, que a cultura seja sempre alvo primário em tempos sombrios. Reprimir a cultura é reprimir também o pensamento crítico.
De uns anos para cá muitos filmes brasileiros ganharam prêmios, e acabamos de ganhar o Globo de Ouro. Qual o momento histórico do cinema nacional?
É uma alegria responder a essa pergunta horas depois de conhecermos as indicações de “Ainda Estou Aqui” no Oscar. Tô sorrindo desde cedo pensando nas três indicações, inclusive na categoria principal. Sem falar na mencionada vitória já alcançada no Globo de Ouro. Essa retomada é fruto de investimento e resistência. Se caminhamos às pernas bambas na última década, as sequenciais vitórias e indicações que estamos colhendo com diferentes produções são oriundas precipuamente desses fatores.
Infelizmente, muita gente no Brasil ainda vê o investimento em cultura como dinheiro jogado fora. Mas cultura não é apenas essencial para a nossa formação humana, como já mencionado, como é direito de todo cidadão e dever do Estado.
Aliás, ótima oportunidade para refletir sobre o exemplo da Coreia do Sul. Não é coincidência que o k-pop tomou conta do cenário musical global e que abrimos os streamings e nos deparamos com infinitos doramas disponíveis. Para além disso, cito o Oscar de Melhor Filme vencido por “Parasita”, em 2020, quebrando uma hegemonia quase centenária de vitórias de produções em língua inglesa na premiação.
A Coreia do Sul transformou a cultura em política de estado e em instrumento de política externa. Essas influências culturais se tornaram um componente essencial do turismo sul-coreano. E, unidos todos esses fatores, o retorno que se alcança para a economia sul-coreana é gigantesco. O que, diga-se de passagem, os estadunidenses fazem há muito tempo com toda a indústria do entretenimento. Portanto, investir e apoiar o cinema brasileiro, para além do entretenimento, é fomentar e movimentar toda uma estrutura econômica.
Qual a expectativa da nossa produção cinematográfica para os próximos anos?
No último ano, tivemos algumas medidas importantíssimas anunciadas, como o investimento de R$ 1,6 bilhão no setor audiovisual pelo Governo Federal, a Lei 14.814/2024, que determina que salas de cinema devem exibir uma cota comercial de obras cinematográficas brasileiras até 31 de dezembro de 2033, além de uma linha de crédito do BNDES direcionada especialmente para a indústria audiovisual. Sem falar dos streamings, que estão cada vez mais se voltando para a produção de conteúdo local.
Esses fatores somados à grande repercussão do cinema brasileiro no último ano, não só internamente, mas a nível global, trazem a perspectiva de ainda mais investimentos, inclusive do setor privado, e consequentemente, um futuro mais promissor e de ainda mais reconhecimento da nossa cultura.
5 filmes pra conhecer mais do cinema brasileiro:
Ainda Estou Aqui – disponível nos cinemas
Pedágio – disponível no Globoplay
Aquarius – disponível na Netflix e no Globoplay
Eles Não Usam Black-tie – disponível no Globoplay
Jogo de Cena – Netflix e Globoplay